quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Um homem singular

Adaptado por Tom Ford e David Scearce da obra com o mesmo título do até então esquecido romancista americano (apesar de ter nascido em terras de sua majestade) Christopher Isherwood, esta é uma simples mas poderosa incursão à simplicidade da vida e à maneira como esta deve ser vivida (conclusão alcançada numa espécie de epifania), onde o sentido da vida pode ser ambíguo mas, ao mesmo tempo, claro. Passados oito meses da morte do seu companheiro de há 16 anos, George Falconer, professor de literatura numa universidade da Califórnia, vive o seu último dia de vida pois pretende cometer suicídio. Um luto mal aceite leva-o a repensar a vida e as sua consequências, mas tudo vai tomando um rumo subtil, onde nada nos é dado a entender de forma directa. Os hábitos diários da personagem incutem-lhe uma carga dramática insuportável, que nos leva a entender o enorme vazio que surgiu na sua vida. Este vazio vai sendo complementado com pequenas fugas ocasionais de rotina que lhe concedem uma certa ‘cor’ à sua realidade. E sim, este é um dos pontos fortes do filme.

A Single Man

Colin Firth é sem dúvida o ‘senhor’ de toda a película e este é, até ao momento, o papel da sua vida. Interpreta Falconer com uma rigidez tremenda, balanceando entre o desespero e a esperança de alguém que está prestes a desistir de viver. Os seus hábitos, as suas manias e o seu discurso, são do mais exímio que vi nos últimos tempo no cinema. Contudo, será errado menosprezar aqueles com quem contracena. Julianne Moore está, como nos tem vindo a habituar, fantástica, ou não fosse a cena do jantar um dos pontos fortes do filme, onde a sua personagem, juntamente com Firth, dançam num estado ébrio com nostalgia e depressão. Matthew Goode, aparição em flashbacks como companheiro de Falconer, é sólido no seu papel e Nicholas Hoult, e o ‘puto’ de Era uma vez um Rapaz é um estudante stalker. Também não podia faltar a menção ao fetiche de Ford, o modelo espanhol e recorrente nas suas campanhas publicitárias, Jon Kortajarena, que interpreta um dos encontros de Firth.

A técnica é outro dos pontos que se sobressai, sendo algo fresco e inovador, não fosse Ford um meticuloso por natureza. Toda a fotografia do filme e as alterações que esta vai sofrendo são o melhor exemplo de como ‘uma imagem vale mais do que mil palavras’. Seria estúpido e até mesmo cliché a explicação forçada, por meio de uma provável voz off, das sensações que o personagem sente em pequenos encontros casuais que lhe ajudam a preencher o vazio que este sente. Ford remeteu este assunto unicamente para o plano estético do filme, onde, na monotonia da sua rotina quase ‘sagrada’, filma em tons desnaturados, em que a cor parece inexistente e que é apenas inserida nesses pequenos momentos já referidos, nessas pequenas sensações que Falconer sente, através de uma explosão de cores a fazer lembrar os filmes da época de 60 (momento em que se insere a história), num estilo Technicolor. Estes pequenos pormenores ajudam-nos a entrar na mente de Falconer e a perceber o porquê dos seus actos. O único ponto que me incomodou foi alguma debilidade técnica nas transições de certos planos que pareciam forçadas, não conjugando de forma decente no seu total ao olho do espectador mais atento, numa mera formalidade na continuidade de planos. No entanto, são pormenores facilmente ultrapassáveis.

A Single Man

Claro está que outros dos pontos fulcrais da obra é, sem dúvida, o cuidado dado ao guarda-roupa e a toda a direcção artística do filme. Entre o rigorismo atendido aos pormenores da época, até aos pequenos toques de bom gosto, nada é descurado e percebe-se que toda a atmosfera está criada de forma harmoniosa. Até na escolha da própria casa em que o personagem vive, do famoso arquitecto John Lautner, foi dada uma atenção especial, pois, e segundo Ford, era preciso que esta fosse de madeira escura tendo em conta Falconer ser britânico.

Um Homem Singular é uma obra que já há muito não via numa sala de cinema, onde à mestria de Ford, que aqui consegue alcançar o que muitos realizadores mais experientes nunca conseguiram, se junta uma excelente escolha de actores e um argumento sublime, onde a simplicidade da história de Isherwood se eleva ao patamar de obra-prima cinematográfica, que nos ensina a viver e a aceitar a vida como ela nos é dada. Tom Ford arriscou e passou. Recomendadíssimo!

NOTA:

Photobucket

O MELHOR:

O ambiente, os actores e a fotografia.

O PIOR:

Nada de relevante, apenas uma certa ‘confusão’ em pequenos erros na continuação de planos.

A FRASE:

“If it’s going to be a world with no time for sentiment, Grant, it’s not a world that I want to live in.” – George Falconer


In: http://www.ante-cinema.com/2010/02/critica-%C2%ABum-homem-singular%C2%BB-a-epifania-de-ford/

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